Eu nunca fui desses que conta o quanto chorou assistindo a franquia "Toy Story" - principalmente com "Toy Story 3" (2010). Mesmo com seus momentos emocionantes, nunca consegue me conectar verdadeiramente com a saga de Woody e Buzz Lightyear; o que não quer dizer que a franquia seja ruim. Com exceção de "Toy Story 2" (1999), o único longa falho do universo, havia muito a ser apreciado nas aventuras dos brinquedos.
O terceiro exemplar foi um fechamento incrível para a história, o laço em um arco que não precisava mais ser desfeito. O capitalismo, é claro, discordava: "Toy Story 4" vinha sendo requisitado pelo público desde o lançamento do terceiro, até ser confirmado em 2014. Cinco anos após, cá estamos.
Com a ida de Andy à faculdade, os brinquedos ficam na mão de Bonnie, que faz (literalmente) um novo amigo: Forky, um boneco colado a partir de um garfo encontrado no lixo. A menina se afeiçoa rapidamente ao brinquedo, que não aguenta passar muito tempo longe da lata de lixo, para o desespero de Woody: ele não pode permitir que Bonnie fique sem seu novo melhor amigo.
E o enredo da película é basicamente esse: a corrida maluca de Woody atrás de Forky, que vai se meter em inúmeras encrencas e arrastar todos os outros. "Toy Story 4" existe graças ao garfinho: desde os materiais promocionais, que colocavam o brinquedo no palco principal, até o fio condutor do roteiro, Forky desencadeia literalmente tudo. Só que não como protagonista: o Frankenstein de plástico criado por Bonnie é mero coadjuvante, com Woody servindo como porta-voz da trama.
É claro que o boneco dublado por Tom Hanks dá vida à franquia - tudo começou com ele -, entretanto, "Toy Story 4" tem um erro elementar visto em "Toy Story 2": a história foca demais no cowboy, colocando os outros como peões aleatórios que surgem na tela apenas nos momentos em que são necessários para empurrar o filme. Buzz Lightyear, coitado, é quase esquecido pelos roteiristas, que se desdobram para inserir o astronauta na trama de maneiras nada criativas - como puro requisito, já que ele não poderia ficar de fora.
O melhor do longa aparece quando Forky é capturado por Gabby Gabby, uma maniqueísta boneca que mora num antiquário e sonha em ser adotada por uma criança. Ela mantém o garfo em cativeiro, sob a vigilância de suas marionetes/seguranças, a fim de trocá-lo pela caixa de voz de Woody - Gabby acredita que é sua caixa defeituosa a responsável por fazer com que ela não seja escolhida entre os outros brinquedos.
Concomitantemente, Woody também tenta reencontrar Bo Peep, a boneca pastora que serve como seu par romântico, que, como mostra o prólogo, foi levada embora depois da ida de Andy à faculdade. Uma justificativa nada sutil de explicar o motivo da boneca não ter aparecido em "Toy Story 3", a sub-trama funciona quando quebra fronteiras de gênero - ela, agora uma boneca livre, vive de modo selvagem, quase uma Furiosa de "Mad Max: Estrada da Fúria" (2015). Bo não tem cerimônia em dizer que é ela a liderar a expedição de salvamento de Forky, e Woody deve apenas se calar e aceitar. Gurl power, sim senhor.
Essa evocação do feminismo é um acréscimo mais que bem-vindo dentro da fita, ainda mais quando vemos que seu público alvo é o infanto-juvenil, bombardeado por culturais nada igualitárias. Porém, o filme perde uma enoooorme chance de ser verdadeiramente transgressor ao manter a ordem boneca-é-brinquedo-de-menina. Gabby, que poderia facilmente terminar nos braços de um garotinho, é adotado por uma chorosa menina; e seu sonho sempre foi terminar com vestidinhos, babados e festas do chá. O padrão nunca é rompido, talvez pelo medo das camadas mais reacionárias que fiscalizam qualquer aresta fora do lugar em obras infantis - "Frozen 2" (2019) nem estreou e a sexualidade de Elza já causou uma turba.
É um pouco assustador lembrar que o primeiro nome da franquia foi lançado em 1995, quase 25 anos atrás, e não só evoluções de discursos foram aprimorados, acompanhando as reivindicações por igualdades dentro do Cinema: a técnica também. De gráficos computadorizados, "Toy Story 4" desfila imagens belíssimas e ultra-fidedignas; as composições de cenas e até os detalhes das superfícies de plástico dos brinquedos são de cair o queixo - e a fotografia capta tudo com planos abertos e closes quase microscópicos. Do primeiro ao quarto, fazemos uma viagem no ágil crescimento tecnológico da Sétima Arte.
Como não poderia ficar de fora, o humor do roteiro é delicioso. Forky, que repete inúmeras vezes aos risos "Eu sou um lixo!", é o melhor do que podemos retirar de uma cultura alimentada à base de memes da internet. No entanto, quem rouba a cena é a dupla Ducky & Bunny, o pato e coelho de pelúcia do parque de diversões. Ambos, com suas coberturas fofíssimas, são quase mafiosos de rua que sugerem atacar velhinhas e caem na porrada quando necessário. Spin-offs à vista, com certeza.
Mas aí o filme chega ao seu fim e.........o que foi subvertido? O que a franquia ganha? Qual a função de abrir um enredo que já havia sido encerrado? "Toy Story 4", além de pouco interessante, é um apêndice, sem grandes serventias dentro da linha narrativa da franquia. De fato é bem superior ao pior nome dos quatro - o segundo -, mas longe de glórias e belezas anteriores, não casando com sucesso a nostalgia e novidades.
É difícil um filme com a marca Pixar ser ruim, e, mesmo não pendurando no pescoço esse rótulo, "Toy Story 4" é quase tão descartável e reciclado quanto os materiais que deram vida ao Forky. Suas sub-tramas engenhosas, como o feminismo e até doação de órgãos, não são o suficiente para ficarem no nível do melhor da saga ou de outras obras que possuem o mesmo mote, como "Uma Aventura LEGO" (2014) e seus primos. Reabertura desnecessária de algo bem finalizado, a roda do capitalismo não se conteve e sua bilheteria já ultrapassou meio bilhão de dólares. O brinquedo do garfinho, inclusive, está sendo vendido pela bagatela de R$ 130 nas melhores lojas.
Com a ida de Andy à faculdade, os brinquedos ficam na mão de Bonnie, que faz (literalmente) um novo amigo: Forky, um boneco colado a partir de um garfo encontrado no lixo. A menina se afeiçoa rapidamente ao brinquedo, que não aguenta passar muito tempo longe da lata de lixo, para o desespero de Woody: ele não pode permitir que Bonnie fique sem seu novo melhor amigo.
E o enredo da película é basicamente esse: a corrida maluca de Woody atrás de Forky, que vai se meter em inúmeras encrencas e arrastar todos os outros. "Toy Story 4" existe graças ao garfinho: desde os materiais promocionais, que colocavam o brinquedo no palco principal, até o fio condutor do roteiro, Forky desencadeia literalmente tudo. Só que não como protagonista: o Frankenstein de plástico criado por Bonnie é mero coadjuvante, com Woody servindo como porta-voz da trama.
É claro que o boneco dublado por Tom Hanks dá vida à franquia - tudo começou com ele -, entretanto, "Toy Story 4" tem um erro elementar visto em "Toy Story 2": a história foca demais no cowboy, colocando os outros como peões aleatórios que surgem na tela apenas nos momentos em que são necessários para empurrar o filme. Buzz Lightyear, coitado, é quase esquecido pelos roteiristas, que se desdobram para inserir o astronauta na trama de maneiras nada criativas - como puro requisito, já que ele não poderia ficar de fora.
O melhor do longa aparece quando Forky é capturado por Gabby Gabby, uma maniqueísta boneca que mora num antiquário e sonha em ser adotada por uma criança. Ela mantém o garfo em cativeiro, sob a vigilância de suas marionetes/seguranças, a fim de trocá-lo pela caixa de voz de Woody - Gabby acredita que é sua caixa defeituosa a responsável por fazer com que ela não seja escolhida entre os outros brinquedos.
Concomitantemente, Woody também tenta reencontrar Bo Peep, a boneca pastora que serve como seu par romântico, que, como mostra o prólogo, foi levada embora depois da ida de Andy à faculdade. Uma justificativa nada sutil de explicar o motivo da boneca não ter aparecido em "Toy Story 3", a sub-trama funciona quando quebra fronteiras de gênero - ela, agora uma boneca livre, vive de modo selvagem, quase uma Furiosa de "Mad Max: Estrada da Fúria" (2015). Bo não tem cerimônia em dizer que é ela a liderar a expedição de salvamento de Forky, e Woody deve apenas se calar e aceitar. Gurl power, sim senhor.
Essa evocação do feminismo é um acréscimo mais que bem-vindo dentro da fita, ainda mais quando vemos que seu público alvo é o infanto-juvenil, bombardeado por culturais nada igualitárias. Porém, o filme perde uma enoooorme chance de ser verdadeiramente transgressor ao manter a ordem boneca-é-brinquedo-de-menina. Gabby, que poderia facilmente terminar nos braços de um garotinho, é adotado por uma chorosa menina; e seu sonho sempre foi terminar com vestidinhos, babados e festas do chá. O padrão nunca é rompido, talvez pelo medo das camadas mais reacionárias que fiscalizam qualquer aresta fora do lugar em obras infantis - "Frozen 2" (2019) nem estreou e a sexualidade de Elza já causou uma turba.
É um pouco assustador lembrar que o primeiro nome da franquia foi lançado em 1995, quase 25 anos atrás, e não só evoluções de discursos foram aprimorados, acompanhando as reivindicações por igualdades dentro do Cinema: a técnica também. De gráficos computadorizados, "Toy Story 4" desfila imagens belíssimas e ultra-fidedignas; as composições de cenas e até os detalhes das superfícies de plástico dos brinquedos são de cair o queixo - e a fotografia capta tudo com planos abertos e closes quase microscópicos. Do primeiro ao quarto, fazemos uma viagem no ágil crescimento tecnológico da Sétima Arte.
Como não poderia ficar de fora, o humor do roteiro é delicioso. Forky, que repete inúmeras vezes aos risos "Eu sou um lixo!", é o melhor do que podemos retirar de uma cultura alimentada à base de memes da internet. No entanto, quem rouba a cena é a dupla Ducky & Bunny, o pato e coelho de pelúcia do parque de diversões. Ambos, com suas coberturas fofíssimas, são quase mafiosos de rua que sugerem atacar velhinhas e caem na porrada quando necessário. Spin-offs à vista, com certeza.
Mas aí o filme chega ao seu fim e.........o que foi subvertido? O que a franquia ganha? Qual a função de abrir um enredo que já havia sido encerrado? "Toy Story 4", além de pouco interessante, é um apêndice, sem grandes serventias dentro da linha narrativa da franquia. De fato é bem superior ao pior nome dos quatro - o segundo -, mas longe de glórias e belezas anteriores, não casando com sucesso a nostalgia e novidades.
É difícil um filme com a marca Pixar ser ruim, e, mesmo não pendurando no pescoço esse rótulo, "Toy Story 4" é quase tão descartável e reciclado quanto os materiais que deram vida ao Forky. Suas sub-tramas engenhosas, como o feminismo e até doação de órgãos, não são o suficiente para ficarem no nível do melhor da saga ou de outras obras que possuem o mesmo mote, como "Uma Aventura LEGO" (2014) e seus primos. Reabertura desnecessária de algo bem finalizado, a roda do capitalismo não se conteve e sua bilheteria já ultrapassou meio bilhão de dólares. O brinquedo do garfinho, inclusive, está sendo vendido pela bagatela de R$ 130 nas melhores lojas.